Anbima aposta em formação técnica para profissionalizar diversificação com investimentos internacionais

A Anbima realizou na última semana a segunda edição do Anbima Global Insights. Voltado a gerentes de relacionamento, assessores de investimento e consultores, o encontro reúne análises sobre as principais rotas de alocação no exterior disponíveis ao investidor brasileiro, dos instrumentos mais acessíveis, como BDRs e ETFs, até estruturas sofisticadas em mercados desenvolvidos e emergentes.
Na abertura, Carlos André, presidente da entidade, anunciou o lançamento de uma microcertificação focada em aplicações internacionais. O curso, hospedado na plataforma Anbima Edu, tem três horas de duração, não cobra mensalidade e pode ser acessado por qualquer pessoa, sem requisitos prévios. O programa cobre desde fundamentos — ações no exterior, renda fixa internacional e tributação — até o contexto mais amplo da internacionalização de carteiras no país.
A iniciativa responde à demanda crescente por capacitação técnica numa área que deixou de ser nicho. Com a diversificação de portfólios se tornando estratégia padrão entre investidores qualificados e até no varejo de alta renda, a Anbima aposta na formação de distribuidores como chave para elevar o patamar das recomendações e reduzir assimetrias informacionais que ainda marcam o segmento.
Aprimoração técnica dos advisors é essencial para manter a qualidade em wealth management
Os especialistas convidados debateram as competências essenciais que profissionais de investimento precisam desenvolver para atender clientes brasileiros cada vez mais interessados em diversificação internacional.
O brasileiro sempre investiu pouco no exterior, e a explicação é simples, segundo Fabiano Cintra, sócio da XP Investimentos: “não houve estímulo porque aqui o juro é alto”. A força da renda fixa doméstica sempre ofuscou alternativas externas. Agora, porém, o cenário mudou. Com os Estados Unidos mantendo juros entre 4% e 5% após uma década de taxas próximas a zero, e com a onda tecnológica impulsionada por inteligência artificial, fatores estruturais começam a alterar a mentalidade do investidor local.
Para Cintra, “capacitação é imprescindível”. O profissional precisa se refinar tecnicamente para sustentar conversas qualificadas com clientes, o que exige investimento pesado em capital humano nos negócios de wealth management, afirmou.
A Nord Wealth já aloca 15% do patrimônio de seus clientes de alta renda — acima de R$ 1 milhão — em estruturas offshore, mas Renato Breia, fundador da casa, projeta elevar esse percentual para entre 20% e 25% nos próximos anos. Além disso, na visão dele, o profissional precisa dominar múltiplas frentes: planejamento tributário, investimento no exterior, sucessão patrimonial.
Clientes de alto ticket já entenderam que precisam se expor internacionalmente e o advisor precisa acompanhar essa demanda. Breia destacou a necessidade de conhecer “opcionalidades” — entender qual caminho torna o investimento mais barato e acessível, se faz mais sentido alocar diretamente no exterior ou por meio de intermediários locais, quais jurisdições oferecem melhor custo-benefício.
Felipe Marcilio, head de Investimentos Globais no Inter, trabalha com a base da pirâmide e defendeu o conceito de “wealth management for all”, independentemente do ticket. Marcilio afirmou que o banco registrou aumento expressivo de aberturas de contas no exterior.
Na escolha de veículos de investimento no exterior, os aspectos mais relevantes incluem perfil do investidor, impactos tributários — comparando estruturas locais e offshore —, exposição cambial desejada, custos de acesso e transparência. O consenso foi que a tecnologia precisa ser usada a favor da democratização, tornando esses produtos menos opacos e mais acessíveis a diferentes faixas de patrimônio.
Globalização de portfólios fortalece indústria local e exige mudança de narrativa
Ampliar o leque de oportunidades além das fronteiras domésticas estimula a competitividade da indústria local ao trazer referências de eficiência e inovação.
Luciane Effting, diretora estatutária da Santander Corretora e presidente da Comissão de Supervisão de Distribuição de Investimentos da Anbima, defende que a globalização de portfólios “fortalece muito nossa indústria”. Segundo ela, limitar a análise de performance ao CDI restringe artificialmente o universo de possibilidades, deixando de fora setores inteiros e geografias com dinâmicas distintas da brasileira.
Para Effting, “tropicalizar o global” exige três pilares: educação financeira consistente, simplificação da oferta de produtos — hoje ainda complexa demais para o investidor médio — e estruturação de modelos de consultoria que levem essas alternativas de forma acessível. O objetivo, nas palavras dela, é transformar o investimento no exterior em “conversa natural”, e não em algo reservado a iniciados.
Um grande desafio mencionado nas conversas durante o evento é a transposição da percepção que o investidor estrangeiro tem do país. Andrés Kikuchi, CIO da Nu Asset, chamou atenção para a percepção ainda genérica que players internacionais mantêm sobre o Brasil. Há demanda clara, mas o país continua visto sob o rótulo amplo de “emerging market”, sem diferenciação relevante. Kikuchi acredita que é necessário mudar o discurso para salientar atributos específicos da economia brasileira e atrair capital de forma mais qualificada.
Na mesma linha, Flávia Palacios, CEO da Opea, analisou que o mercado brasileiro não foca “no que tem de bom porque há muita coisa errada”, e isso contamina a narrativa. “É preciso que o gestor se comprometa a vender o que temos de bom”, afirmou.
Palacios defende que investir no exterior é estratégia válida para todos os portes de patrimônio e que a principal barreira é psicológica, não financeira. Quanto ao fluxo reverso, ela apontou a volatilidade cambial como obstáculo estrutural e sugeriu que a indústria passe a criar cada vez mais produtos denominados em dólar para contornar essa fricção.
Os avanços necessários para ampliar a intermediação de investimentos no exterior
A Anbima trouxe durante o evento dados de estudo inédito que mapeia os avanços necessários no serviço de intermediação de investimentos no exterior. O documento estabelece melhores práticas para instituições brasileiras que atuam nesse segmento, com foco em transparência, eficiência operacional e padronização de condutas. A iniciativa busca reduzir zonas cinzentas regulatórias e criar um ambiente mais seguro tanto para distribuidores quanto para investidores.
Entre as práticas recomendadas estão discussões sobre cenários macroeconômicos domésticos e globais, além da importância da diversificação internacional nas carteiras. O estudo é claro, porém, ao vedar esforços de venda de ativos internacionais que não tenham registro na CVM, em linha com a regulamentação vigente. A distinção visa evitar que distribuidores locais atuem como captadores informais de produtos offshore sem a devida conformidade.
Quanto aos requisitos regulatórios, o documento reforça que instituições brasileiras precisam estar registradas na CVM como distribuidoras para oferecer esses serviços. A publicidade deve ser feita exclusivamente por entidades locais, que devem conduzir processos de suitability rigorosos antes de recomendar qualquer exposição internacional. O guia também destaca a necessidade de contratos formais entre instituições brasileiras e casas estrangeiras, assegurando que os requisitos mínimos previstos na regulação e autorregulação da Anbima sejam cumpridos em toda a cadeia de intermediação.
Maturidade do mercado brasileiro não chega ao radar do investidor estrangeiro
O mercado financeiro brasileiro alcançou maturidade com distribuição sofisticada, arcabouço regulatório robusto e instituições alinhadas a padrões internacionais. Uma das questões centrais do Anbima Global Insights foi: o quanto dessa evolução chega ao radar dos investidores estrangeiros?
Volatilidade e desconhecimento sobre o ecossistema local continuam a prejudicar a percepção externa, na avaliação de Ricardo Eleutério, diretor da Bradesco Asset Management. A barreira linguística, segundo ele, também manteve o mercado brasileiro relativamente fechado por anos, dificultando a entrada de capital estrangeiro e limitando o diálogo com gestores globais. Essa combinação de fatores cria um círculo vicioso: sem visibilidade adequada, o Brasil segue subprecificado como destino de investimento, mesmo quando os fundamentos melhoram.
O desconhecimento se manifesta até em aspectos técnicos básicos. Vinicius Rodrigues, do BTG Pactual, observa que poucos investidores internacionais sabem que o arcabouço legal brasileiro tem forte similaridade com o europeu — especialmente em proteção ao investidor e governança corporativa. O caminho, na visão dele, passa por posicionar o Brasil como hub de investimentos na América Latina, tornando-o referência regional na estruturação e distribuição de produtos. Isso exigiria estratégia coordenada entre reguladores, associações e instituições privadas para construir narrativa consistente e atrair fluxos de forma perene.
Estudo da FGV e rupturas macro reforçam necessidade de diversificação
Corroborando com o discurso do Anbima Global Insights, um estudo da FGV EAESP apresentou o impacto cambial no consumo dos brasileiros e a necessidade de diversificação internacional. A pesquisa demonstra que a taxa de câmbio tem efeito significativo sobre a inflação em diversos segmentos, com variações que se traduzem em aumentos de preços ao consumidor — impacto frequentemente subestimado pelo investidor, que não enxerga diretamente como a inflação setorial está conectada ao câmbio.
O estudo quantifica essa relação e conclui que a exposição ao risco cambial é realidade para todos os brasileiros, mesmo de forma indireta. Para proteger o poder de compra das variações cambiais, a alocação mínima recomendada em ativos no exterior é de 16% do patrimônio — percentual que sobe para 17% a 18% em famílias de alta renda, dependendo do perfil de consumo. Importante: essa faixa apenas protege contra oscilações cambiais; numa estratégia ampla de diversificação, com objetivos específicos do investidor, o percentual tende a ser superior.
Especialistas no evento reforçaram que portfólios sem exposição offshore carregam risco concentrado, especialmente pela subrepresentação de setores inteiros na B3. Tecnologia e saúde — que ganhou peso após a pandemia — são exemplos de segmentos robustos globalmente, mas com presença limitada no mercado local. A diversificação internacional permite acesso a empresas de crescimento e valor inexistentes no Brasil, além de estratégias e setores indisponíveis domesticamente.
Entre as macrotendências discutidas, destaque para o crescimento do modelo “fee-based” em detrimento da remuneração por produto, o desejo de hiperpersonalização por parte dos clientes e a valorização do aconselhamento qualificado — que desloca o foco da venda para a consultoria. O avanço dos mercados privados e o papel dos ativos digitais na eficiência operacional, como a tokenização, também foram citados como vetores de transformação estrutural na indústria.
Bruno Barino, country manager da BlackRock Brasil, trouxe ao debate rupturas macroeconômicas que extrapolam o universo fiscal e precisam estar no radar de quem constrói portfólios. O crescimento da China redefine cadeias produtivas e fluxos de capital globais, enquanto a fragmentação geopolítica — com os Estados Unidos repensando alianças e acordos comerciais — altera premissas de correlação entre ativos. A transição energética, por sua vez, não é apenas pauta ESG: trata-se de realocação trilionária de capital, com setores inteiros perdendo relevância e outros emergindo como pilares da economia do século XXI.
Barino também destacou mudanças estruturais no mercado financeiro impulsionadas pela inteligência artificial, que comparou a uma revolução industrial. A tecnologia já altera desde a precificação de ativos até a distribuição de produtos, criando eficiências operacionais e modificando a forma como gestores tomam decisões de alocação. Para ele, ignorar essas forças ao desenhar estratégias de investimento equivale a navegar com mapas desatualizados — especialmente em contexto de internacionalização, onde essas variáveis têm peso ainda maior.
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